Números inteiros
Objetivo
O objetivo desta proposta didática é promover a compreensão das operações de adição e subtração de números inteiros. As atividades sugeridas utilizam fichas coloridas para representarem quantidades positivas e negativas e jogos que envolvem as operações com números inteiros. Acreditamos que uma vez compreendidas as regras envolvidas nos jogos, ficará mais fácil entender as regras das operações com números inteiros, pois os raciocínios são análogos.
Introdução
Quando cursamos a disciplina de Didática Aplicada ao Ensino da Matemática, do curso de Licenciatura em Matemática da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), elaboramos uma sequência didática que tinha como objetivo contribuir com a superação dos obstáculos didáticos e epistemológicos presentes no ensino dos números inteiros. Na sequência didática elaborada, optamos por trabalhar com materiais manipulativos, por compreendermos que o uso de materiais didáticos auxilia em um processo de ensino e aprendizagem com significado.
Segundo Lorenzato (2006, p.18), “Material didático (MD) é qualquer instrumento útil ao processo de ensino-aprendizagem. Portanto, MD pode ser um giz, uma calculadora, um filme, um livro, um quebra-cabeça, um jogo [...]”. Dentre os MD para o trabalho com números inteiros, destacamos o ábaco dos números inteiros que, segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais, é um recurso interessante para explorar tal assunto.
[...] para explorar a adição e subtração, outro recurso interessante é o ábaco de inteiros, que consiste em duas varetas verticais fixadas num bloco, nas quais se indica a que vai receber as quantidades positivas e a que vai receber as quantidades negativas, utilizando argolas de cores diferentes para marcar pontos. Esse material permite a visualização de quantidades positivas e negativas e das situações associadas ao zero: varetas com a mesma quantidade de argolas. Ao manipular as argolas nas varetas, os alunos poderão construir regras para o cálculo com os números inteiros (BRASIL, 1998, p. 99).
No desenvolvimento da atividade, nos deparamos com uma limitação do material ao realizar a operação de subtração, pois os alunos, naquele momento, não possuíam conhecimento da regra dos sinais para representar a operação no ábaco. O ábaco utilizado possuía duas hastes, uma para as quantidades positivas e outra para as negativas. Na adição, as quantidades negativas eram representadas todas na haste negativa e as quantidades positivas eram representadas todas na haste positiva. Em seguida, anulava-se as argolas positivas com as negativas e o resultado era representado na haste que, após a anulação, ainda tivesse argolas. Na subtração, o aluno necessariamente deveria realizar a troca de sinais antes de representar as quantidades nas hastes, no exemplo \((-7)-(-2)\), se o aluno seguisse a mesma ideia da adição, os dois números deveriam ir à haste negativa, mas na operação de subtração devemos representar sete argolas na haste negativa e duas argolas na haste positiva, ficando com \((-7)+(2)\). Assim, não conseguimos realizar a operação no ábaco sem aplicar a regra dos sinais antes da representação.
Com esses questionamentos e reflexões em mente, analisamos livros e artigos desenvolvidos na área que trabalham com o ensino de números inteiros, a fim de elaborar uma proposta que corresponda com o ensino que esperamos oferecer. Assim, desenvolvemos a presente proposta didática.
Os obstáculos no ensino de números inteiros
Estudos como o de Igliori (1999) e Pommer (2010) apontam que o aluno passa por diversas dificuldades no processo de construção do conceito de números negativos, decorrentes de obstáculos epistemológicos.
De acordo com Schubring (2009, p. 18), os obstáculos epistemológicos “residem na natureza do conhecimento matemático, razão pela qual não podem ser evitados, já que são constitutivos dos respectivos conhecimentos e identificados na história dos conceitos”.
Para Igliori,
A noção de obstáculo pode ser utilizada tanto para analisar a gênese histórica de um conhecimento como o ensino ou a evolução espontânea do aluno. Pode-se, portanto pesquisar os obstáculos epistemológicos a partir de uma análise histórica ou a partir de dificuldades resistentes entre os alunos procurando confrontá-las (IGLIORI, 1999, p. 98).
Existem diversos obstáculos epistemológicos no ensino, entre eles Igliori (1999) aponta a noção de números inteiros. Para a autora, a aceitação dos números negativos demorou para se consolidar, pois enfrentou diversos obstáculos. Segundo Radford (1997 apud IGLIORI, 1999), isso se deu devido às culturas locais e pela concepção de ciências, matemática e objetos dessas culturas. Enquanto para Glaser (1981 apud IGLIORI, 1999), essa lentidão ocorreu porque os historiadores e educadores não deram importância para as dificuldades presentes no ensino de números negativos.
Os PCN identificam como barreiras no ensino de números inteiros a atribuição de significado às quantidades negativas. Dentre as dificuldades, destaca-se o reconhecimento dos números em dois sentidos a partir do zero, o reconhecimento e identificação do zero, origem e do zero absoluto e a ideia intuitiva de que na operação de adição o resultado é um número maior que o original e que na operação de subtração o resultado é sempre menor (BRASIL, 1998).
O uso de jogos no ensino
Portanto, considerando os obstáculos didáticos e epistemológicos oriundos das operações com números inteiros e diante da limitação apresentada pelo ábaco de números inteiros (material escolhido na primeira proposta didática que elaboramos a respeito do tema), sugerimos outra proposta de intervenção que tem como intenção proporcionar um ensino significativo, em que o aluno tem papel ativo na sua aprendizagem. Para isso, nos baseamos no uso de jogos, no qual buscamos a compreensão para então formalizar o conteúdo, de modo a justificar a utilização da regra de sinais.
A introdução de situações contextualizadas, jogos e materiais manipuláveis, associadas ao uso da linguagem matemática, expressas em diversas possibilidades, viabilizam um trabalho didático que permite superar os obstáculos epistemológicos, ao esclarecer as escolhas realizadas ao longo do percurso de construção do conhecimento matemático envolvendo os Números Inteiros (POMMER, 2010, p. 4).
Corroborando com essa concepção, destacamos um trecho da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que trata dos recursos didáticos e adverte que estes devem servir para levar à reflexão e à sistematização:
[...] recursos didáticos como malhas quadriculadas, ábacos, jogos, livros, vídeos, calculadoras, planilhas eletrônicas e softwares de geometria dinâmica têm um papel essencial para a compreensão e utilização das noções matemáticas. Entretanto, esses materiais precisam estar integrados a situações que levam a reflexão e à sistematização, para que se inicie o processo de formalização (BRASIL, 2017, p. 276).
Vale destacar que o jogo não deve ser considerado apenas uma diversão ou passatempo, ele deve ser planejado e executado com cuidado, como aponta Fiorentini e Miorim (1996, p. 9):
O professor não pode subjugar sua metodologia de ensino a algum tipo de material porque ele é atraente ou lúdico. Nenhum material é válido por si só. Os materiais e seu emprego sempre devem estar em segundo plano. A simples introdução de jogos ou atividades no ensino da matemática não garante uma melhor aprendizagem desta disciplina.
Considerando o uso de jogos como estratégia de ensino, pela qual o aluno desenvolve diversas habilidades, Smole, Diniz e Milani (2007, p. 9) afirmam que isso ocorre porque “ao jogar, os alunos têm a oportunidade de resolver problemas, investigar e descobrir a melhor jogada; refletir e analisar as regras, estabelecendo relações entre os elementos do jogo e os conceitos matemáticos”.
Desta forma, o jogo, por ser um momento mais descontraído, pode oportunizar um ensino sem pressão, o que facilita para os alunos adquirirem os conhecimentos com mais significados e oferece um momento de socialização da turma (SMOLE et al., 2007).
Além disso, o trabalho com jogos é um dos recursos que favorece o desenvolvimento da linguagem, diferentes processos de raciocínio e de interação entre os alunos, uma vez que durante um jogo cada jogador tem a possibilidade de acompanhar o trabalho de todos os outros, defender pontos de vista e aprender a ser crítico e confiante em si mesmo (SMOLE et al., 2007, p. 9).
As atividades propostas nesta unidade didática têm como intuito trabalhar as operações com números inteiros, como uma tentativa de possibilitar aos alunos do 7° ano a compreensão das regras de sinais e, assim, evitar que elas sejam apenas decoradas.
A primeira atividade consiste na manipulação de fichas, a fim de familiarizar o aluno com as regras das operações de adição e subtração de fichas. Já a segunda atividade trata-se de um jogo, que tem como objetivo alcançar a transição da atividade concreta para a representação na linguagem matemática na cartela que acompanha o jogo. Enquanto isso, a terceira atividade, que também é um jogo, pretende possibilitar que os alunos ultrapassem a ideia de que a operação de adição sempre aumenta e que a operação de subtração sempre diminui. Por fim, ao desenvolver a proposta didática, esperamos que os alunos compreendam as operações de adição e subtração, assim como o motivo da regra dos sinais.
Atividade 1:
apresentação das operações por meio das fichas
Neste primeiro momento, apresentaremos as operações de adição e subtração através de fichas coloridas. Essas fichas foram confeccionadas levando em consideração as ideias do material manipulável conhecido como Algeplan, principalmente na função que o sinal negativo realiza diante das operações.
O professor disponibilizará aos alunos 20 quadrados com um dos lados do quadrado de cor vermelha e outro azul5 (Figura 1), de forma que, ao virar a ficha, troca-se de cor. Em seguida, explicará como realizar as operações de adição e subtração utilizando as fichas, assim como a regra de virar a ficha quando se está subtraindo.
Adição das fichas
Adição de fichas de mesma cor:
Ao somar fichas de mesma cor, o valor final se dá pela quantidade de fichas reunidas. A cor das fichas diz se esse valor é positivo ou negativo. Veja o exemplo abaixo:
Adição de fichas de cores diferentes:
Vale ressaltar que fichas de cores diferentes se anulam, isto é, uma azul se anula com uma vermelha. Após a anulação conta-se quantas fichas sobraram e verifica-se a sua cor.
Subtração das fichas
Na subtração o sinal negativo tem a função de virar as fichas de lado e trocar o sinal da operação. Observe que após a troca do sinal retorna-se aos casos de adição. Veja os exemplos abaixo:
Atividade 2:
jogo cartas das operações
O jogo cartas das operações levará os alunos a realizarem operações com as fichas, seguindo as regras apresentadas anteriormente. A atividade trabalha a visualização da operação com as fichas e, em seguida, a passagem do material manipulável para a linguagem aritmética.
Participantes:
2 jogadores.
Objetivo da atividade:
Explorar e familiarizar o aluno com as regras das operações de adição e subtração, utilizando as fichas, além de permitir a associação das fichas com os números inteiros.
Materiais
Para cada dupla de jogadores é entregue:
- 1 dado representando as operações de subtração e adição (Figura 6);
- 42 cartas numeradas de 0 a 10 (20 positivas numeradas de 1 a 10, 20 negativas numeradas de 1 a 10 e 2 cartas com o número 0) com representação visual colorida em cada carta, sendo azul6 a representação dos números negativos e vermelho7 dos números positivos, como descrito nas fichas anteriores (Figura 7);
- Cartela 7x4 (Figura 8) para anotar resultados de cada rodada.
Como jogar
- A cada jogada, as 42 cartas numéricas são embaralhadas.
- Cada jogador, na sua vez, deve retirar uma das 42 cartas do monte e anotá-la na cartela entregue.
- Em seguida, jogar o dado das operações e anotar a operação sorteada.
- Novamente no montante de cartas embaralhadas, retirar outra carta e anotar na cartela.
- Com as informações anotadas na cartela, deve-se fazer o processo da conta e anotar o resultado na coluna denominada de respostas.
- Então o outro jogador realiza os mesmos passos, retirando a carta e lançando o dado.
- Repete-se o processo por 7 vezes (ou de acordo com o n° de linhas na cartela).
- Posteriormente o professor fará a correção para analisar os acertos e erros, sendo atribuído um ponto a cada acerto. Para o resultado errado da operação não será atribuído ponto algum.
- O ganhador será o aluno que possuir o maior número de pontos.
- Se houver empate, os alunos empatados jogam de novo, até surgir um ganhador.
Atividade 3:
jogo tabuleiro dos sinais
O jogo Tabuleiro dos sinais permite ao aluno perceber que a operação de adição nem sempre aumenta, assim como a subtração nem sempre diminui, uma das dificuldades de compreensão das operações com números inteiros. Essa percepção será desenvolvida no decorrer do jogo, em que o aluno é posto a competir e tentar criar estratégias para vencer.
Participantes:
2 jogadores.
Materiais
Cada dupla receberá:
- Peças do jogo: Dado das operações, as fichas coloridas e as cartas utilizadas nas atividades 1 e 2;
- Tabuleiro da Fase 1 (Figura 9);
- Tabuleiro da Fase 2 (Figura 12).
- Um lápis.
O tabuleiro do jogo Trilha dos Sinais pode ser modificado de acordo com as estratégias da aula elaborada pelo professor.
Fase 1: tabuleiro 1
Objetivo do jogo
Explorar e investigar as diversas situações que possam surgir nas operações de subtração e adição com números inteiros, por meio do jogo e das fichas. O jogo permite que o aluno exercite o que aprendeu, até o momento, sobre os números inteiros de forma lúdica.
Como jogar
- Cada jogador recebe 21 cartas (Figura 7).
- Cada jogador sorteia uma de suas 21 cartas. Na sequência, somam as cartas sorteadas, para preencher o círculo central ou círculo de origem, utilizando o lápis.
- O jogador que tirou a maior carta inicia a partida e escolhe qual lado do tabuleiro prefere jogar.
- Para iniciar a partida o jogador irá escolher o caminho que seguirá.
- O jogador 1, ao escolher um caminho em que a seta possui sinal positivo ou negativo, deve sortear uma carta do monte e então realizar a operação proposta pela seta. Por exemplo, se a seta tiver sinal negativo, o jogador subtrairá o valor da carta sorteada com o valor presente no círculo anterior à seta. Veja uma situação representada abaixo:
- Se a seta escolhida não tiver sinal, o jogador deve jogar o dado de operações para descobrir a operação a ser realizada e em seguida tirar uma carta do monte. Então preencher o círculo indicado pela seta com o resultado da operação realizada. Veja uma situação representada abaixo:
O aluno pode utilizar as fichas coloridas para realizar essas operações, caso não se sinta confiante de realizar as contas sem utilizar o material.
Agora é a vez do jogador 2. Ele realizará os mesmos passos descritos para o jogador 1;
Na próxima operação, os jogadores devem realizar as contas levando em consideração o resultado anterior. Por exemplo, se o resultado da primeira operação foi 5 e a seta for de soma, terá que realizar a seguinte conta: 5 + Carta sorteada e assim por diante.
Após seis jogadas, os jogadores completam o círculo final do tabuleiro da Fase 1. Quem tiver um número maior no círculo final será o vencedor. Se quiserem, os jogadores podem convencionar que o vencedor será o que tiver o número menor.
Fase 2: tabuleiro 2
Objetivo do jogo:
Mostrar para o aluno que trabalhar apenas com as fichas torna-se insuficiente para o jogo, por exemplo, ao subtrair ou somar números muito grandes, apontando a necessidade de trabalhar utilizando a regra dos sinais.
Como jogar
- O andamento do jogo ocorre da mesma maneira que a fase 1. Os jogadores escolhem um caminho, se a seta tiver sinal, apenas retiram uma carta do monte, e se a seta não tiver sinal os jogadores jogam o dado de operações e retiram uma carta do monte.
- Neste tabuleiro há seis círculos finais, logo realiza-se o jogo até serem finalizados os seis caminhos.
- Após completar os seis círculos finais, os jogadores devem somar os valores presentes nestes círculos.
Caso os alunos estejam utilizando as fichas coloridas para auxiliar nas operações, nesse momento a quantidade de fichas será insuficiente para as operações com os números presentes nos círculos finais. Portanto, o aluno precisa de um momento de análise das relações observadas, para que após compreender o funcionamento do jogo dos sinais com as fichas, ele possa reformular suas ideias e passar da representação com o material para a representação com apenas números e símbolos. Pode ser também que alguns alunos não utilizem as fichas em momento algum do jogo, fazendo apenas a representação numérica.
Por meio do jogo, espera-se que os alunos possam compreender como os valores das cartas, os seus sinais e a operação realizada interferem no resultado da partida. Assim, por mais que em uma jogada o jogador tenha dois números positivos grandes, dependendo da operação realizada, ele pode obter um número menor que o esperado.
Considerações finais
Com esta proposta consideramos que a compreensão do aluno sobre as regras de sinais presentes nas operações de adição e subtração com números inteiros será alcançada de maneira significativa, indo além da simples memorização, pois os alunos terão a oportunidade de estabelecer relações entre as fichas coloridas e a regra dos sinais. Espera-se também que se desvinculem dos materiais manipuláveis e adotem uma linguagem matemática ao expressar suas ideias. Essas ações favorecem que os alunos exerçam um papel ativo no seu aprendizado.
Por conta da situação causada pela pandemia da COVID-19, não tivemos a oportunidade de aplicar a proposta em sala de aula, mas propomos que os professores utilizem as atividades com seus alunos, podendo alterá-las conforme o contexto escolar.
Notas
Acadêmica do curso de Matemática - Unioeste/Cascavel. Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid). E-mail: diana2001alves@gmail.com ↑
Acadêmico do curso de Matemática - Unioeste/Cascavel. Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid). E-mail: ricardoferraza7@gmail.com ↑
Acadêmica do curso de Matemática - Unioeste/Cascavel. Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid). E-mail: thamaratobaldini08@outlook.com ↑
Professora do curso de Matemática – Unioeste/Cascavel. Coordenadora de área do subprojeto Interdisciplinar Matemática/Química do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência da Unioeste (Pibid). E-mail: dulcyene.ribeiro@unioeste.br ↑
Essas cores, nas tonalidades usadas, funcionam para daltônicos. Se o leitor quiser alterá-las, lembre-se de usar websites ou app que simulem os diferentes tipos de daltonismo de forma a não usar cores que não são distinguidas por daltônicos. ↑
Veja a nota 5. ↑
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