Capítulo 1: Funções trigonométricas circulares
Neste capítulo, vamos revisar os aspectos da trigonometria circular. Definiremos as funções trigonométricas circulares e estudaremos suas principais propriedades e identidades. Evidenciaremos alguns limites, os gráficos para cada uma dessas funções e deduziremos as derivadas para elas. Finalmente, definiremos as funções trigonométricas inversas e estudaremos também alguns limites, os gráficos e as derivadas das funções inversas.
1.1 A trigonometria circular
A trigonometria surgiu do estudo das medidas de um triângulo retângulo. A palavra trigonometria significa, em grego, medidas dos lados do triângulo. Dado um triângulo retângulo, marca-se um dos ângulos não reto e as relações trigonométricas atribuídas a esse ângulo são as seis razões possíveis envolvendo as medidas da hipotenusa, do cateto oposto (ao ângulo marcado) e do cateto adjacente (ao ângulo marcado).
Observando o triângulo da figura anterior e sendo o ângulo , temos as seis relações trigonométricas associadas a este ângulo , dadas por
e chamadas respectivamente de seno, cosseno, tangente, cotangente, secante e cossecante de . É comum ainda representar a cossecante do ângulo por e a tangente de por . A notação é a notação padrão para a tangente no sistema de medida estadunidense e, por isso, muitas calculadoras usam essa notação.
Podemos pensar que à medida que o ângulo varia, variam também as razões entre os lados desse triângulo e, consequentemente, variam as relações trigonométricas associadas ao ângulo . Dessa forma, podemos pensar que as relações trigonométricas são dadas em função do ângulo .
Observemos que é imediato dessas definições que
Queremos então construir as funções trigonométricas, que a cada ângulo associam o seno, o cosseno, a tangente, a cotangente, a secante e a cossecante de . Temos alguns problemas nesse sentido. Primeiro quando pensamos em função, pensamos em domínio, imagem, gráfico da função entre outras propriedades. Um dos problemas é que o sistema cartesiano, utilizado para representar graficamente uma função, possui uma escala de medida baseada no comprimento. Por outro lado, um ângulo é tradicionalmente medido em graus. Precisamos utilizar um sistema de medida de ângulos compatível com o sistema cartesiano. Além disso, a trigonometria em um triângulo retângulo somente pode levar em conta ângulos de amplitude entre 0 e 90 graus (exluindo-se esses dois) e, no caso de funções, queremos estender ao máximo o domínio de definição, pretendendo, inclusive, calcular o valor das seis razões trigonométricas quando possui uma medida negativa.
Vamos construir então o aparato compatível para o desenvolvimento dos nossos estudos.
A trigonometria circular é construída sobre uma circunferência unitária, isto é, de raio 1, centrada na origem, cuja equação é . Essa circunferência é chamada de circunferência trigonométrica, ou círculo trigonométrico.
Nessa circunferência, convencionamos que:
- | O ponto é a origem de quaisquer arcos a serem marcados na circunferência. |
- | A cada ponto da circunferência, correspondem um arco e um ângulo associado , marcado no sentido anti-horário, ao qual é atribuída uma medida positiva. |
- | A cada ponto da circunferência, correspondem também um arco e um ângulo associado , marcado no sentido horário, ao qual é atribuída uma medida negativa. |
A medida que atribuiremos a esse ângulo é baseada em algum dos sistemas de medidas de ângulos conhecidos. São três os sistemas de medidas de ângulo mais difundidos: graus, grados e radianos.
O sistema grado é o menos utilizado e consiste em dividir a circunferência trigonométrica em 400 partes iguais, cada fração chamada de 1 grado. É um sistema baseado em escala decimal. Os eixos coordenados dividem portanto a circunferência em 4 partes cada uma com medida 100 grados.
O sistema grau é bastante conhecido dos estudantes de ensino médio e fundamental. Consiste em dividir a circunferência trigonométrica em 360 partes iguais, cada uma dessas partes chamada de 1 grau. Os eixos coordenados dividem então a circunferência em 4 partes iguais de medida 90 graus cada uma.
Relata-se que o sistema grau surgiu por volta de 4000 a.C. com os egípcios. Eles desejavam construir um calendário e, para isso, criaram um círculo com marcas onde poderiam contar os dias do ano. Quando um ano se passasse, a contagem deveria voltar ao ponto de partida, para o início de uma nova contagem. Naquela época, acreditavam que o Sol é que girava em torno da Terra e acreditavam que esta volta completa durava 360 dias. Então construíram uma circunferência dividida em 360 partes iguais e a cada dia que se passava, o marcador avançava da circunferência. Algumas destas informações foram atualizadas com o tempo. Hoje sabe-se com mais precisão o tempo que a Terra leva para dar uma volta completa em torno do Sol, mas a divisão da circunferência em 360 partes iguais já havia sido consolidada.
O sistema radiano é o mais adequado para o nosso estudo. Como sabemos, o comprimento de uma circunferência é calculado por , sendo o raio da circunferência. Isto significa que a circunferência trigonométrica possui comprimento igual a . Os eixos coordenados dividem portanto essa circunferência em 4 arcos, de comprimento cada um. A cada ponto da circunferência, a medida do arco será exatamente a medida do seu comprimento, considerada negativa, se o arco estiver marcado no sentido horário.
Dessa forma, a cada ponto sobre a circunferência está associado um arco e para este arco, um ângulo de medida positiva e um ângulo de medida negativa. Queremos agora a partir de uma medida, positiva ou negativa, determinar um ponto cujo arco e cujo ângulo estejam associados a esta medida.
A cada número real está associado um ponto da circunferência de forma que o arco , marcado no sentido anti-horário, mede unidades de comprimento. A partir do número real , digamos , ainda podemos marcar o ponto na circunferência, no sentido anti-horário, porém, o comprimento do arco é .
Convencionamos então que a cada número real está associado um ponto da circunferência, de forma que o comprimento do arco , marcado no sentido anti-horário, mede para algum com . Mais precisamente, satisfaz . Em outras palavras, a medida do arco é igual a descontando-se voltas completas na circunferência.
Admitindo convenções similares para a marcação de arcos no sentido horário, temos que a cada número real negativo, corresponde um único ponto na circunferência de forma que o arco mede para algum com . Em outras palavras, a medida do arco é igual a adicionando-se voltas completas na circunferência.
Dessa forma, temos que a cada , também chamado ângulo radiano , corresponde um ponto na circunferência de modo que o arco mede para que satisfaz . Desse ponto em diante, escreveremos simplesmente que o ponto , ou que o arco , está associado ao ângulo radiano , ou ainda que o arco ou o ângulo mede radianos.
Note que, se então a área do setor circular é igual a unidades de área. Dado um ângulo radiano , seja o ponto sobre a circunferência tal que tem medida . O ponto possui, no sistema cartesiano prefixado, duas coordenadas . O seno de é definido como sendo a ordenada do ponto , isto é,
Outra forma de ver isto, é traçarmos pelo ponto a perpendicular ao eixo e a perpendicular ao eixo . O seno do ângulo é então o comprimento do segmento orientado (ou ) com relação ao eixo . Se o segmento tiver sentido contrário ao eixo , entenderemos seu comprimento como negativo. O cosseno do ângulo é igual ao comprimento do segmento orientado (ou ) com relação ao eixo . Se o segmento estiver orientado contrariamente ao eixo entenderemos o comprimento como sendo negativo.
Outras quatro razões trigonométricas chamadas respectivamente de tangente, cotangente, secante e cossecante, são definidas por
Naturalmente, a observação destas razões no triângulo retângulo, acarreta que as razões sejam sempre números positivos. A definição sobre a circunferência trigonométrica estende estes conceitos. Mas também traz alguns problemas. Por exemplo, a abscissa ou a ordenada do ponto podem ser nulas, o que acarreta seno ou cosseno de igual a zero. Algumas das razões acima não estarão definidas nesses casos.
Dados dois ângulos radianos, de medidas e , consideremos os pontos e sobre a circunferência, associados aos ângulos radianos e respectivamente. Os pontos e estão sobre a circunferência e são simétricos um do outro em relação ao eixo .
Logo,
abscissa de | abscissa de | |
ordenada de | ordenada de |
ou ainda,
abscissa de | ||
abscissa de | ||
ordenada de | ||
ordenada de | ||
Temos então as igualdades
Note que as coordenadas do ponto são então e, como o ponto está sobre a circunferência, suas coordenadas devem satisfazer a equação da circunferência . Temos então
que é conhecida como a relação fundamental da trigonometria (circular).
Assim como no caso de seno e cosseno, podemos também fazer uma visualização geométrica das outras quatro funções trigonométricas.
Consideremos, no círculo trigonométrico, a reta paralela ao eixo e que passa pelo ponto e a reta paralela ao eixo e que passa pelo ponto . São duas retas tangentes à circunferência trigonométrica. Dado um ângulo radiano representado pelo arco , prolongamos o segmento até que ele intercepte as retas e respectivamente nos pontos e . A tangente do ângulo é o comprimento do segmento orientado com relação ao eixo . A cotangente de é igual ao comprimento do segmento orientado , com relação ao eixo .
Nestes termos, notemos que os triângulos e são semelhantes e, portanto,
Também o triângulo é semelhante ao triângulo e, dessa semelhança, temos que
e isso significa que as coordenadas de e são e .
Note que se para , então o ponto coincidirá com ou e então o prolongamento do segmento não intercepta a reta e nesses casos, não está definida a tangente de . Isso pode também ser observado na expressão , pois nos pontos mencionados, temos um denominador nulo. O mesmo ocorre com nos casos em que , pois nesses pontos, .
Considerando ainda o ângulo , determinado pelo arco , traçamos pelo ponto a reta , tangente a circunferência trigonométrica que passa pelo ponto . Essa reta corta os eixos e nos pontos que chamaremos, respectivamente e . A secante do ângulo (denotada por ) é igual ao comprimento do segmento orientado , com relação ao eixo e a cossecante de (denotada por ) é igual ao comprimento do segmento orientado , com relação ao eixo .
Vemos na figura anterior, que os triângulos e são semelhantes e dessa semelhança vem
Também os triângulos e são semelhantes e, portanto,
Note ainda que se para , então como antes, coincidirá com ou e a reta tangente à circunferência que passa por será paralela ao eixo e não existirá a secante de . Lembre-se que nestes pontos . Também se , não existirá pelo mesmo motivo. Nesses pontos .
O que queremos agora é deduzir as fórmulas de soma de arcos para o seno e o cosseno. Consideremos dois ângulos radianos e . O ângulo radiano fica determinado pelo arco e o ângulo radiano fica denotado pelo arco .
Baixamos pelo ponto a perpendicular ao segmento . Essa perpendicular cruza o eixo em um ponto que chamaremos de . Vamos rotacionar o ângulo de forma que o segmento coincida com o segmento . Temos então esquema da figura 1.9.
Nesses termos, o arco está agora ascociado ao ângulo . Lembremos também que o novo triângulo é retângulo em e ainda valem as relações
Pelo ponto baixamos a perpendicular ao eixo que cruza esse eixo no ponto . Pelo ponto também baixamos a perpendicular ao eixo que cruza esse eixo no ponto . Pelo ponto , baixamos a perpendicular ao segmento , que cruza esse segmento em um ponto que chamaremos de e a perpendicular ao eixo que cruza esse eixo em um ponto que chamaremos .
Temos então
e também,
Com base na figura, vemos que os triângulos retângulos e são semelhantes e, portanto, valem as igualdades
Notemos agora que o triângulo retângulo é também semelhante ao triângulo retângulo . Para mostrar isso, mostraremos que o ângulo tem a mesma medida do ângulo . De fato, o segmento é paralelo ao eixo e então os ângulos alternos internos e possuem a mesma medida.
Então,
e, portanto,
donde os triângulos retângulos e são semelhantes. Levando em conta a primeira semelhança (entre e ), são semelhantes os triângulos retângulos e . Dessa última semelhança e, sabendo que , temos
Segue disto que
e também,
As fórmulas, (1.4) e (1.5), juntamente com as fórmulas (1.1), (1.2) e (1.3) são as cinco principais fórmulas da trigonometria circular. Com essas fórmulas, podemos obter outras fórmulas conhecidas, tais como as fórmulas de duplicação de arcos,
e as fórmulas de diferença de arcos,
Ainda como exemplo, vamos obter outras identidades trigonométricas. São de fácil demonstração e somente estamos explicitando por motivos de referência futura. Para ser mais preciso, essas identidades serão úteis na seção 1.7.
Para todos e tais que , | |
Para todo , | |
Para todo , |
As demonstrações de e são mais rápidas. De fato,
e essa demonstração está concluída. |
1.2 Funções trigonométricas circulares
Nesta seção, vamos estudar os aspectos principais das funções trigonométricas circulares. Será conveniente que o leitor possua conhecimentos conceituais sobre domínio, imagem, gráfico e também limites de funções.
Admitindo que é uma variável real, podemos considerar as funções que a cada valor de associam o seno, o cosseno, a tangente, a cotangente, a secante e a cossecante de , quando existirem. Olhemos uma por uma essas funções.
Para cada valor real de , a função
associa o seno do ângulo (radiano) . Da seção anterior, temos que esta função assume 0 para os valores , para qualquer . Também essa função é limitada, assumindo no máximo 1 e no mínimo -1. É uma função periódica de período . O seu gráfico é como na figura abaixo.
Notemos que é uma função contínua (mostraremos isto detalhadamente na próxima seção), não injetora e nem sobrejetora de em . Também o comportamento oscilatório para os infinitos, faz com que não existam os limites de quando .
A função cosseno se comporta de forma similar. Basta notar que , isto é, a função cosseno é apenas um deslocamento horizontal da função seno. Dessa forma, a função , definida em é também uma função contínua, periódica de período , que assume máximo 1 e mínimo -1. Os zeros dessa função (os pontos onde a função intercepta o eixo ) são para qualquer . O gráfico fica como na figura abaixo.
Não é uma função injetora e nem sobrejetora de em .
Para a função tangente, lembremos que e então por se tratar de uma razão, precisamos nos preocupar com os valores de que anulam o denominador. Tais pontos não estarão no domínio de definição de . Os valores para os quais , são , com . O domínio da função tangente é então .
Como seno e cosseno são funções periódicas em , então a função tangente também será periódica. O que ocorre é que o período da fração diminui para pelo jogo de sinal entre numerador e denominador. De fato, as funções seno e cosseno em módulo são periódicas de período .
Vamos analizar os limites (laterais) nos pontos onde a função tangente não está definida. São os pontos . Pela periodicidade da função, basta analizar os limites em um destes pontose a análise valerá para os demais. Vamos considerar, por simplicidade, . Então se se aproxima de teremos o denominador indo para 0, e o numerador indo para 1 e, portanto, a razão vai para o infinito. Resta o estudo do sinal. Se então os valores de são ligeiramente maiores que . Neste caso, o seno será positivo e o cosseno negativo e, portanto,
Quando então os valores de serão menores que e, neste caso, seno e cosseno serão positivos e, portanto,
Estendendo esta análise para os outros valores de , temos para todo ,
Por se tratar de um quociente de duas funções, a função tangente será uma função contínua nos pontos em que o denominador não se anulae cruzará o eixo nos pontos em que o numerador se anular, isto é, para com . Seu gráfico é como na figura abaixo.
É uma função ímpar. Não é injetora, mas é sobrejetora de em . Observe atentamente que se analisada em apenas um dos intervalos de amplitude , da forma então torna-se uma função crescente e injetiva e, portanto, bijetiva.
A análise da função é feita da mesma forma que a função tangente. Por se tratar de um quociente, o domínio de definição consiste dos valores de para os quais . A função seno se anula nos pontos para . Desta forma, o domínio da função cotangente é o conjunto . Também esta função se anula nos pontos em que o numerador se anula, isto é, em para todo .
É também uma função periódica de período . Vamos analisar os limites nos pontos onde esta função não está definida, isto é, nos pontos onde o denominador se anula. Pela periodicidade, basta analizar os limites em um destes pontos e esta análise valerá para os demais. Consideremos então por simplicidade o caso em que , isto é, o ponto . Quando se aproxima de 0 o denominador se aproxima de 0 também e o numerado se aproxima de 1. A fração vai portanto para o infinito. Resta o estudo de sinais.
Quando , então é positivo; e tanto seno quanto cosseno são positivos, resultando
e quando então o seno será negativo e o cosseno positivo, neste caso
Transmitindo estes fatos para os demais pontos onde a função não está definida, temos que
para qualquer .
O gráfico então é a curva da figura abaixo.
É uma função ímpar, sobrejetora mas não injetora de em . Se analisada por partes, isto é, em apenas um dos intervalos de amplitude da forma , então temos injetividade (e portanto bijetividade) em qualquer um destes intervalos.
Agora a função . Usando a identidade , vemos que o domínio desta função fica caracterizado pelo conjunto , dos pontos tais que o denominador não se anule. É uma função que nunca se anula, pois o numerador é fixo e não nulo. Note que o denominador assume todos os valores reais entre e (inclusive estes dois). Isto significa que a fração poderá resultar em qualquer um dos valores maiores que ou menores que (inclusive estes dois). O conjunto imagem então é o conjunto .
Vamos verificar o comportamento da função nas proximidades dos pontos onde não estiver definida. Sendo o denominador uma função periódica de período e o numerador constante, então o quociente é também uma função periódica de período . Por este motivo, olhemos para o intervalo ; e usando a periodicidade deduzimos o comportamento da função para os demais pontos onde não estiver definida.
Quando pela direita, os valores de se aproximam de 0 negativamente e, portanto, . Pela esquerda, os valores de vão para 0 positivamente e, portanto, . Resumindo,
Se pela direita, então se aproxima de 0 positivamente e, portanto, e se pela esquerda, então se aproxima de 0 negativamente e, portanto, . Isto é,
Note ainda que nos pontos , temos e então, nestes pontos. Nos pontos temos e então nestes pontos. O gráfico desta função é mostrado na figura abaixo.
Note que não é uma função injetora, nem sobrejetora de em .
Finalmente para a função , levamos em conta que e analisamos este quociente. O domínio é o conjunto de pontos tais que o denominador não se anula, ou seja, o conjunto . Também o denominador assume todos os valores (não nulos) entre e e, portanto, a função assume todos os valores menores que e maiores que . O conjunto imagem é então o conjunto .
Trata-se de um quociente com denominador periódico e numerador constante e, portanto, essa função também é periódica, de período . Basta analizarmos o intervalo e repetirmos o comportamento para os demais pontos, onde o denominador se anula.
Quando pela direita, então os valores de se aproximam de 0 positivamente e então . Se pela esquerda, então os valores de vão para 0 negativamente e então . Resumindo isto, temos
Se se aproxima de pela direita, então o denominador se aproxima de 0 negativamente e então . Se se aproxima de pela esquerda, então o denominador se aproxima de 0 positivamente e, assim, . Dessa forma, temos
Temos ainda que nos pontos o denominador da fração assume o valor 1 e, portanto, é igual a 1 nestes pontos. Analogamente nos pontos o denominador é igual a -1 e, portanto, a função assume o valor -1 nestes pontos. O gráfico de é representado na figura abaixo.
Não é uma função injetora e nem sobrejetora de em .
Nota: Observe que a função seno é um deslocamento da função cosseno (e vice-versa) e por este motivo, os quocientes e são também deslocamentos um do outro. Compare isto nos limites que deduzimos e nos gráficos das duas funções.
Vamos resumir em uma tabela o domínio e a imagem de cada uma das funções trigonométricas.
função | domínio | imagem |
1.3 Continuidade das funções trigonométricas circulares
Nesta seção vamos mostrar que as funções trigonométricas circulares são contínuas nos seus domínios de definição. Mais precisamente, queremos primeiro mostrar que
para qualquer . Para as outras quatro funções trigonométricas circulares, a continuidade seguirá da continuidade destas duas funções e da propriedade de continuidade do quociente de funções contínuas.
Observando os gráficos destas duas funções nas figuras 1.11 e 1.12, vemos que são gráficos formados por linhas contínuas e, do ponto de vista gráfico, as funções são contínuas satisfazendo portanto os limites acima. Todavia, precisamos ser mais rigorosos.
Vamos primeiro listar alguns resultados a respeito de limites que iremos utilizar nesta seção. Não vamos demonstrar aqui estes resultados, pois está fora do nosso interesse principal. O leitor interessado nestas demonstrações pode consultar [4, Leithold].
- a)
- ,
- b)
- para qualquer ,
- c)
- ,
- d)
- desde que .
Agora começamos o trabalho de provar a continuidade das funções seno e cosseno.
Vemos claramente que a área do triângulo retângulo é maior que a área do setor circular que por sua vez é maior que a área do triângulo . O triângulo tem base com medida 1 e altura com medida e, portanto, a sua área é . O setor circular tem área igual a . O triângulo tem base com medida 1 e altura com medida e, portanto, área igual a . Nestes termos
Multiplicando tudo por 2 e dividindo por (que é positivo), temos
ou ainda
Da primeira desigualdade, temos que . Substituindo por temos que . Assim,
Segue que e reorganizando os termos obtemos . Logo
Como o limite das funções 1 e existem e são iguais a 1 quando , então segue do Teorema do confronto (Teorema 1.3) que
Agora, se , levando em conta que é uma função par, então o comportamento pela direita de zero é o mesmo pela esquerda. Segue que
obtida na demonstração do teorema anterior; e o teorema do confronto garante que . Para lembremos que cosseno é uma função par e então o comportamento à esquerda de 0 é o mesmo comportamento à direita de 0. Segue que
Para provar o segundo limite, usaremos o item (c) do teorema 1.2. Como os limites de e de existem quando então o limite do produto existe e
Agora, como para todo então do teorema 1.4 segue que
Usando agora a identidade trigonométrica para a soma de arcos do seno e a existência dos limites de e de , quando , temos
Os limites indicados no início desta seção seguem agora imediatamente do teorema 1.5 e deste último teorema.
Podemos agora analisar a continuidade das outras quatro funções trigonométricas circulares, já que estas são escritas como um quociente em termos de seno e cosseno. Usando o item (d) do teorema 1.2, podemos facilmente provar as próximas afirmações.
As funções tangente, cotangente, secante e cossecante são contínuas nos seus domínios de definição. De outra forma,
desde que , | |
desde que , | |
desde que , | |
desde que . |
1.4 Derivadas de funções trigonométricas circulares
Nesta seção estamos interessados em obter as fórmulas de derivada para as seis funções trigonométricas circulares. Para isto, usaremos a definição de derivada
Primeiro precisamos estabelecer um limite necessário para a obtenção da derivada da função cosseno.
Como o limite da função existe (ver proposição 1.6) e o limite da função existe como função contínua de , então do item (c) do teorema 1.2, temos
Agora estamos prontos para obter as derivadas das funções trigonométricas. Comecemos com , definida em toda a reta real. Aplicando a definição de derivada temos que
para todo tal que o limite exista. Observe que para o limite existe e então a derivada da função seno existe em pelo menos um ponto. Vamos provar que o limite existe para qualquer .
Desta forma, para todo , temos
As duas parcelas dentro do último limite, são funções cujo limite em existe para todo (ver proposições 1.6 e 1.10). Então
Como o limite existe para todo , a função é derivável em todo ; e, além disso,
Tomemos agora a função , definida em toda a reta real. Da definição de derivada,
para todo tal que o limite existe. Observe novamente que já provamos que este limite existe pelo menos para . Para , temos que
Novamente, as parcelas dentro do limite são funções tais que o limite existe em para todo . Assim,
O limite existe, portanto, para todo e, assim, segue que a função é derivável em todo ; e, além disso,
Conhecendo agora as derivadas de seno e cosseno, definidas em todo , vamos utilizar estas para determinar as derivadas das outras quatro funções trigonométricas circulares, já que são escritas em termos de seno e cosseno.
Consideremos agora a função , definida em . Como e são diferenciáveis em todo , a derivada do quociente existe em todos os pontos onde .
Dessa forma, para todo , temos
Portanto
para .
Analogamente, para a função , temos para todo tal que ,
Então,
para todo .
Considerando agora a função , temos para todo tal que ,
Da mesma forma, para a função , temos que
para todo tal que .
Vamos resumir as fórmulas de derivação para as funções trigonométricas circulares em uma tabela.
1.5 As funções trigonométricas circulares inversas
Antes de começarmos, lembremos que nenhuma das funções trigonométricas circulares é bijetora dos seus domínios de definição em . Sabemos também que somente as funções bijetoras possuem função inversa. O que precisamos então é restringir o domínio e/ou o contradomínio de tais funções, conforme o caso exigir, a fim de torná-las bijetoras e só então poderemos definir as funções inversas.
Comecemos então pela função seno que não é injetora e nem sobrejetora de em . Resolvemos o problema da sobrejetividade restringindo o contradomínio, tornando-o igual à imagem . O problema da injetividade é resolvido restringindo o domínio. Consideramos então o domínio como sendo . A função seno é bijetora de em . Podemos definir então a função inversa do seno, que a cada número real associa o (único) número , satisfazendo a relação .
Representamos a função inversa do seno por por , ou . Neste texto, vamos utilizar a primeira notação e muito cuidado para não confundir as expressões e . A segunda expressão é o inverso multiplicativo do seno, ou seja . Assim, temos definida a função
que deve satisfazer a relação . Desta igualdade, vemos que quando se aproxima de (somente pela esquerda), devemos ter se aproximando de e quando tender a (somente pela direita), devemos ter tendendo a . Isto é,
Deve ser uma função crescente no intervalo de definição , já que da relação vemos que conforme cresce, o ângulo radiano deve também crescer em . Como é de se esperar de uma função inversa, são válidas as seguintes relações,
para | ||
para |
O gráfico desta função, definida apenas no intervalo , é dado por
Agora tomemos a função cosseno. Sabemos que a função cosseno, também não é injetora e nem sobrejetora de em . Colocando o contradomínio como sendo a imagem a tornamos sobrejetora. Colocando o domínio como sendo a tornamos injetora de em . Definimos assim, a função inversa do cosseno, denotada por (ou ), por
que deve satisfazer . Usando esta última igualdade, vemos que quando estiver suficientemente próximo de (somente pela direita) então estará próximo de e quando estiver suficientemente próximo de (somente pela esquerda), então estará próximo de 0. Valem portanto os limites,
O gráfico desta função é dado por,
É uma função decrescente no intervalo de definição. Analogamente, as relações inversas são,
para | ||
para |
Note que existe uma relação entre os gráficos das funções seno e cosseno inversas. Se tomarmos o gráfico da função seno inverso e aplicarmos uma reflexão em torno do eixo e um deslocamento de unidades para cima, teremos o gráfico da função cosseno inverso. Esta relação é descrita pela igualdade .
É fácil provar esta última igualdade usando que é válido para todo . Vejamos os detalhes. Primeiro observemos que a função é uma função ímpar, pois se , então e, portanto, , o que acarreta e segue que . Agora vamos à igualdade de interesse. Se , então temos que , donde e, portanto, . Como também então .
Consideremos agora a função tangente, que é sobrejetora, porém não é injetora de em . Para resolver o problema da injetividade precisamos restringir somente o domínio desta função. Considerando então o domínio como sendo o intervalo temos a bijetividade da função tangente, de em . Definimos então a função inversa da tangente, denotada por (ou ), como
de tal forma que vale a relação . Esta relação mostra que quando cresce indefinidamente então devemos ter se aproximando de e quando cresce indefinidamente, com valores negativos, então deve estar se aproximando de . Isto se resume nos limites
O gráfico desta função é dado por,
É uma função monótona crescente e ímpar. As retas são assíntotas horizontais desta função. Esta função desempenha um papel importante na matemática. Ela associa bijetivamente toda a reta real com um intervalo limitado. Valem as relações inversas,
para | ||
para |
Agora a função cotangente. Vimos que a cotangente não é uma função injetora, mas é sobrejetora de em . A restrição do domínio para o intervalo faz da função cotangente, uma função bijetora de em . Assim podemos definir a função cotangente inversa, denotada por e dada por
desde que valha a relação . Esta relação mostra que se tende ao infinito, então deve estar indo para 0; e se vai para o infinito negativo, então deve estar indo para . Temos assim,
O gráfico da função cotangente inversa é
Vemos que é uma função estritamente decrescente. Além disso, são válidas as relações inversas,
para | ||
para |
Assim como no caso do cosseno inverso, existe uma relação entre os gráficos das funções tangente e cotangente inversas. Esta relação é semelhante àquela envolvendo seno e cosseno inversos. É . Também é fácil provar esta relação usando a igualdade , que é válida para todo . Desta vez deixamos os detalhes por conta do leitor.
Tomando a função secante, lembremos que ela não é injetora e nem sobrejetora de em . A imagem é o conjunto e então restringimos o contradomínio no conjunto imagem e tornamos a secante sobrejetora. Para a injetividade, escolhemos o conjunto . Nestes termos a função secante, é bijetora de em . Definimos então a função secante inversa, denotada por , como
desde que valha a relação . Desta relação vemos pelo gráfico da função secante que quando vai ao infinito positivamente ou negativamente então deve estar se aproximando de . Isto é,
Também quando se aproxima de (somente pela esquerda), devemos ter se aproximando de e quando tende a (somente pela direita) deve estar indo para 0. Temos então os limites
O gráfico desta função é da forma,
Para esta função, valem as relações inversas,
para | ||
para |
Finalmente, a função cossecante não é injetora nem sobrejetora de em . Restringimos então o contradomínio pela sua imagem, que é o conjunto . Para acertar a injetividade, escolhemos a restrição do domínio ao conjunto . Assim a função cossecante se tornará bijetiva. Então definimos a função cossecante inversa, denotada por e dada por
de tal forma que . Desta relação, observando o gráfico da função cossecante, temos que quando cresce indefinidamente (positivamente ou negativamente), os valores de devem estar se aproximando de 0. Por isto temos
Também se se aproxima de (somente pela esquerda), devemos ter se aproximando de . Da mesma forma, se se aproxima de (somente pela direita) então devemos ter se aproximando de . Assim,
O gráfico desta função é da forma,
Para esta função, valem as relações inversas são,
para | ||
para |
Novamente vemos a presença de uma relação entre os gráficos de secante e cossecante inversas. É novamente a igualdade . Podemos provar esta igualdade usando , válida para . Detalhes novamente por conta do leitor.
Resumimos as funções trigonométricas circulares inversas, com seus respectivos domínios e imagens na próxima tabela.
1.6 Continuidade das funções trigonométricas circulares inversas
Antes de obtermos as derivadas das funções trigonométricas circulares inversas, vamos analisar a continuidade destas funções em todos os pontos de definição. Esta continuidade pode ser obtida em virtude da continuidade das funções trigonométricas circulares estabelecida na seção 1.3. Mais precisamente se é um intervalo e é contínua em , então é um intervalo e também
para qualquer . Isto é o que afirma o próximo teorema, que enunciaremos sem demonstração. A demonstração pode ser encontrada em [5, Lima, pág 237].
Este teorema se aplica às seis funções trigonométricas circulares inversas. As seis funções trigonométricas circulares são contínuas em seus respectivos domínios de definição. As restrições bijetivas são todas definidas em conjuntos que são intervalos e, portanto, as funções trigonométricas circulares inversas são contínuas nos seus intervalos de definição, respeitando a lateralidade dos extremos fechados em cada um destes intervalos.
Resumindo, temos que,
, | para todo | , |
, | para todo | , |
, | para todo | , |
, | para todo | , |
, | para todo | e |
, | para todo | . |
Note que o domínio de definição das funções arco secante e arco cossecante não são intervalos, mas sim uma união de dois intervalos. Estudados separadamente cada um destes intervalos, temos no caso da função arco secante que a função secante é contínua e bijetora de em e, portanto, o teorema 1.11 se aplica a este intervalo. Novamente a função secante é contínua e bijetora de em e o teorema 1.11 se aplica também a este intervalo. Segue que a função arco secante é contínua em ambos os intervalos e e, portanto, contínua na união destes intervalos. Raciocínio similar para a função arco cossecante.
1.7 Derivadas das funções trigonométricas circulares inversas
Estamos agora interessados nas derivadas das funções trigonométricas inversas. Para obter a derivada de uma função inversa , tradicionalmente usamos diferenciação implícita na igualdade , ou equivalentemente, na igualdade .
Comecemos com a função definida para todo , com . Sabemos que a diferenciação não pode ser estabelecida nos extremos do intervalo fechado e então vamos considerar, ainda bijetivamente, que e . Para e nos intervalos citados, vale a relação . Ao derivarmos com respeito a , lembremos que é variável dependente de e, portanto, devemos usar a regra da cadeia. Derivando então a relação , com respeito a , temos
Como queremos determinar vamos então isolar este termo na última igualdade. Obtemos assim,
Obviamente, queremos também que essa derivada seja dada somente em termos de , e não de . Precisamos substituir a expressão do segundo membro, mas só conhecemos a relação . Então usamos o fato de que para , para escrever
e segue que
para todo . Note que a derivada não está definida para e para .
Tomemos agora a função , definida para todo , com . A derivada será estabelecida então para com . Então derivamos a relação implicitamente em relação à variável , obtendo
e isolando o termo de interesse, temos
Novamente, vamos substituir a variável dependente , no segundo membro, pela variável independente. Lembremos que para a função seno é positiva. Segue que
e, portanto,
Tomando agora a função , definida para , assumindo valores . Para todo , temos a igualdade e então derivando em relação a , vem
Desta igualdade e da identidade (1.9) da proposição 1.1, obtemos
e desta forma,
para todo . Note que o lado direito está bem definido para todo .
Agora consideremos . Esta função está definida para todo , com valores . Derivando então a igualdade em relação a , temos
donde temos
Usando agora a identidade (1.8), da proposição 1.1, temos
e obtemos a derivada
definida para todo .
Seja agora , definida para todo com valores em . Para a diferenciação, vamos considerar bijetivamente que com valores em . Para qualquer no intervalo de diferenciação, temos e derivando esta igualdade em , obtemos
e isolando o termo de interesse, vem
Usaremos novamente a igualdade (1.7) da proposição 1.1. Extraindo a raiz quadrada em ambos os membros de (1.7), conseguimos
Como não podemos garantir que a tangente de seja positiva, mas sim que é positivo. Assim,
Segue que
para todo .
Nota: Observe que para tornar a função secante uma função bijetiva, acabamos por escolher um intervalo do domínio onde a função torna-se bijetora. Esta escolha não é única. Outras escolhas também tornam a função secante bijetora. Alguns autores escolhem , pois esta escolha, além de outras implicações, tornará mais simples a fórmula de derivada, que será , já que neste intervalo, teríamos , e não precisaríamos manter o módulo. O leitor poderá encontrar em alguns livros de Cálculo Diferencial e Integral esta última fórmula para a derivada da secante inversa.
Para finalizar esta etapa, tomamos , que é definida para todo com . Descartando os extremos fechados de cada intervalo, derivamos em relação a , obtendo
donde segue
Extraindo raiz quadrada em ambos os membros da igualdade (1.8), da proposição 1.1, conseguimos a identidade
Agora como não podemos garantir que seja positiva, mas sabemos que é positivo. Então
donde temos
Nota: Aqui ocorre o mesmo que o comentado na nota anterior. A escolha de , tornará a fórmula de derivada mais simples. Será , já que no intervalo mencionado temos sempre positivo. O leitor poderá encontrar em alguns livros de Cálculo Diferencial e Integral esta última fórmula para a derivada da cossecante inversa.
Resumimos as derivadas das funções trigonométricas circulares inversas na próxima tabela.
Observe que as derivadas das inversas das co-funções diferem das derivadas das inversas das funções apenas pelo sinal. Isto é decorrência das relações mencionadas na seção anterior,
Derivando estas três igualdades em ambos os membros, com relação a , obtemos