Marias Marias
Conheci um rapaz em um ambiente tranquilo na escola. Ele era tímido, de poucas palavras, ficava quieto só me observava. Se aproximou de mim como um amigo, no primeiro momento se mostrou atencioso, amoroso e carinhoso. Sempre me perguntava como eu estava e como me sentia em algumas situações.
De amigo, passou a ser o meu amor. Me pediu um beijo e, claro, que eu aceitei. Foi mágico, eu fiquei encantada. Logo me pediu em namoro e, em seguida, foi conhecer os meus pais. Gaguejando, se mostrava muito nervoso, pediu a minha mãe para namorarmos em casa. Minha mãe permitiu, mas deixou bem claro que ele era esquisito. Eu pensei: “Poxa, todo mundo acha um defeito e ele é perfeito!”.
Ao passar o tempo, ele me dizia que eu era única. Ligava todos os dias e perguntava o que eu estava fazendo, me dizia que estava com saudades e que eu era linda. Eu me sentia especial e, por isso, fui ficando cada dia mais envolvida e apaixonada.
Até que um dia, ele me questionou sobre a cor do meu esmalte. Dizia que era escuro demais e parecia de puta. Eu olhei sem entender! Não estava acreditando que era da boca dele que eu estava ouvindo isso. Eu fiquei chateada e falei para darmos um tempo. Ele entrou em desespero e, aos prantos, pediu para eu não terminar porque ele me amava. Era só porque ele estava com medo de me perder que ele agiu assim; segundo ele, era só isso! Achei que ele realmente gostava de mim e acabei aceitando. Me senti muito estranha.
Depois daquele episódio, as coisas foram acontecendo e eu acabei me casando, usando um belo vestido e com um marido lindo!
No primeiro dia depois da cerimônia do casamento, as coisas foram ficando estranhas. Ele começou a me tratar diferente, passou a chegar tarde em casa para tomar cerveja com os amigos e não me procurava para conversar. Eram brigas e mais brigas.
Eu me sentia em uma gaiola, com as pontas das asas cortadas, com a comida controlada. O canto já não era mais o mesmo e nem força mais eu tinha para cantar.
Ao chegar em casa já tarde, eu perguntei o que estava acontecendo. Foi o fim! Ele colocou o dedo na minha cara e aos berros me encurralou na parede. Os seus gritos ecoavam como uma faca nos meus ouvidos, dizendo:
— Me deixa! Você não manda na minha vida! eu sou o homem e faço o que eu quero!
Eu só sabia chorar.
O tempo foi passando e o meu mundo mágico desabou. Fui ouvindo várias outras coisas como:
— Você me faz gritar.
— Eu não aguento mais esse casamento.
— Você está gorda vai para academia.
— Você é burra, não entende por quê?
— Você é maluca!
— A culpa é sua por eu gritar! Você pede.
Fui me isolando até não ter mais amigas, pois ele dizia que eram piranhas e, por isso, não eram amizades de uma mulher casada.
Ele também dizia que nem a minha família gostava de mim porque eu era desprezível. Eu fui me afastando, não tendo mais força para estar por perto.
Eu me olhava no espelho e via que os meus lábios estavam roxos. Não conseguia respirar e os meus olhos estavam inchados de tanto chorar. Olhando para o espelho, eu me perguntava: o que eu fiz para ele me tratar assim?
Senti uma culpa terrível por não estar dando suporte nesse relacionamento. Eu estava emocionalmente instável e não conseguia acreditar em mim mesma.
Sentia-me gorda e feia, pensando que ninguém mais iria se interessar por mim. Minha autoestima estava detonada. Não me vestia da forma que eu queria, apenas para agradá-lo, e ele sempre fazia questão de me inferiorizar.
Ouvia constantemente de sua boca que a culpa era minha e que eu o fiz perder o controle. Isso já não mais escondido, acontecia na frente dos familiares, dos amigos e dos estranhos.
Ele já sabia o quanto eu ganhava e a data do meu salário e, em um dia de pagamento, depois que eu voltei do trabalho, ele veio perguntando o que eu iria fazer com o dinheiro, pois estava com o pagamento dele comprometido por colocar tudo na casa e acrescentava dizendo que ele não tinha vida.
Eu pensei... eu já pago a luz, o plano de saúde dele, as parcelas dos eletrodomésticos também eram comigo e, ainda, a metade da comida era por minha conta. Mais ainda, quando faltava alguma coisa eu comprava sem pedir a ele. O que ele está dizendo? Mesmo assim, ele dizia todos os dias, brigando, para eu colocar dinheiro, alegando que estava gastando tudo em casa.
No final, ele estava tomando conta até do que eu recebia.
Em uma das brigas por ele sair e voltar no outro dia, eu fui questioná-lo e, simplesmente, gritou que eu não tinha nada a ver com isso.
Eu falei: “Como assim? Somos casados e você sempre diz que não tem dinheiro para passear comigo, mas tem dinheiro para passear com os amigos?” E foi um grande motivo para ele pegar o meu celular e jogar na parede. Não satisfeito, ainda pisou nele. Eu gritei, chorei e implorei, mas foi em vão... Ele me deu um empurrão, um soco no meu braço e disse:
— Isso é para você não conversar com ninguém, ficou satisfeita? Estou fazendo isso porque você me obrigou.
Eu fui me deitar chorando e muito chateada.
No outro dia, eu me levantei e ele veio falar comigo, pedindo perdão, chorando horrores, dizendo que nunca mais iria fazer isso, pois eu era a mulher da vida dele. Só chorava e me abraçava dizendo que estava muito arrependido e que só queria uma chance de um perdão, pois tudo seria diferente. Então resolvi dar uma chance.
A semana seguinte ao ocorrido foi maravilhosa, sem brigas e contendas e ele me tratava como uma rainha.
Ao chegar do trabalho, ele falou que iria no tio entregar um dinheiro e, depois, iríamos sair para um restaurante e, também, comprar um telefone.
Eu fui me arrumar e como ainda não estava me comunicando com os meus familiares, eu me lembrei que havia trocado o telefone antigo — o mesmo que esse indivíduo quebrou — por um novo com ele.
Fui ao armário dele, peguei o meu antigo, fui colocar o chip e resolvi dar uma olhada no zap. Eu percebi que havia mensagens que não eram minhas. Eu comecei a congelar e a tremer! Eu não acreditava! As mensagens eram de mulheres falando de saídas, dele falando de beijos e até marcando para se encontrarem em um motel.
Olha, fiquei estática e sem chão e até pensei que não era dele. Talvez tivesse emprestado o celular, mas não! Realmente estava o nome dele e até foto dele enviada para as mulheres, dizendo todas as informações dele e onde morava. Quando perguntavam se era casado, ele não respondia e quando a mulher insistia, ele bloqueava.
A princípio, fiquei em choque com aquele celular nas mãos sem saber o que fazer. Não sabia se quebrava na cara dele ou se ficava quieta. Mas quando eu escutei a porta se abrindo e ele perguntando se eu estava arrumada, eu simplesmente olhei para ele e respirei fundo. Foi quando ele olhou para o celular na minha mão e ficou parado. Em seguida, perguntou:
— O que foi?
Joguei o celular nele com muito ódio e então comecei a chorar, a xingar e socá-lo, mas eu não tinha força... Por dentro estava despedaçada.
Quando ele se deu conta, disse na cara mais sínica que as mensagens não eram dele e que eu estava doida. Ah! Aí eu não aguentei e disse:
— O que você está dizendo? Que eu sou doida? Você, além de mau caráter, é burro? Tem foto sua, o seu nome e, detalhe, todas as informações. Tomara que tenha sido ótimo porque eu quero que você vá embora, eu não aguento mais!
Ele — mesmo com todas as evidências, todas as provas — quebrou o celular, disse que eu estava caçando coisas para terminar começou a chorar, claro.
Mas eu fui forte. Perguntei: "Você não vai embora?“. Ele, com lágrimas no rosto, soluçando, pedindo perdão, me abraçando, diz:
— Não!
Então, no outro dia, assim que saiu um raio de sol, peguei a minha mala com as minhas coisas, olhei no espelho, vi o meu braço com a marca roxa e me deu um ódio... Mas, naquele momento e lugar, eu percebi que as marcas piores estavam dentro de mim: as agressões verbais, a indiferença e os traumas.
Fui embora sem que ele percebesse, mesmo sendo a minha casa, a que eu paguei com tanto sacrifício. Mas pensei: “Isso eu recupero, a vida não”.
Fui à delegacia dar parte do agressor e o inspetor perguntou:
— Como você se chama?
— Eu sou Maria Maria e todas que viveram um relacionamento abusivo. As que sobreviveram. As que venceram.
Talvez, se você der uma chance para ele, não sobreviverá e acabará virando estatística de feminicídio. Na primeira oportunidade, fuja e peça ajuda! A sua vida é muito importante!
Mulher, a culpa não é sua!