3 O lobo e o cordeiro: autores modernos e contemporâneos
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O LOBO E O CORDEIRO
AUTORES MODERNOS E CONTEMPORÂNEOS
Analisemos, agora, as fábulas homônimas dos autores modernos e contemporâneos.
3.1 Jean de La Fontaine
O Lobo e o Cordeiro
Um cordeiro estava bebendo água num riacho. O terreno era inclinado e por isso havia uma correnteza forte. Quando ele levantou a cabeça, avistou um lobo, também bebendo da água.
— Como é que você tem a coragem de sujar a água que eu bebo — disse o lobo, que estava alguns dias sem comer e procurava algum animal apetitoso para matar a fome.
— Senhor — respondeu o cordeiro — não precisa ficar com raiva porque eu não estou sujando nada. Bebo aqui, uns vinte passos mais abaixo, é impossível acontecer o que o senhor está falando.
— Você agita a água — continuou o lobo ameaçador — e sei que você andou falando mal de mim no ano passado.
— Não pode — respondeu o cordeiro — no ano passado eu ainda não tinha nascido.
O lobo pensou um pouco e disse:
— se não foi você foi seu irmão, o que dá no mesmo.
— Eu não tenho irmão - disse o cordeiro — sou filho único.
— Alguém que você conhece, algum outro cordeiro, um pastor ou um dos cães que cuidam do rebanho, e é preciso que eu me vingue.
Então ali, dentro do riacho, no fundo da floresta, o lobo saltou sobre o cordeiro, agarrou-o com os dentes e o levou para comer num lugar mais sossegado.
MORAL: A razão do mais forte é sempre a melhor .
3.1.1 Comentário: O Lobo e o Cordeiro de La Fontaine
O fabulista francês coloca essa ideia do mais forte, em sua fábula, na qual o lobo acaba prevalecendo, para dizer, desse modo, que o mais poderoso sempre acha uma forma para que a sua razão seja a melhor. Assim, nessa mesma relação de força e de poder, por mais que o cordeiro de La Fontaine tentasse argumentar, defender a sua causa e se mostrar inocente; o lobo, por sua vez, já está decidido: ele “que estava alguns dias sem comer e procurava algum animal apetitoso para matar a fome”, está totalmente convencido de que é com aquele frágil cordeiro que ele se alimentará. Para isso, tendo inventado todas as possíveis causas e mentiras, traz consigo uma certeza da qual ele próprio se convence: “É preciso que eu me vingue”, e, então, agarra com os dentes aquele que em si é só inocência.
Vejamos agora a de Monteiro Lobato:
3.2 Monteiro Lobato
O Lobo e o Cordeiro
Estava o cordeiro a beber num córrego, quando apareceu um lobo esfaimado, de horrendo aspecto.
— Que desaforo é esse de turvar a água que venho beber? — disse o monstro arreganhando os dentes. Espere, que vou castigar tamanha má-criação!…
O cordeirinho, trêmulo de medo, respondeu com inocência:
— Como posso turvar a água que o senhor vai beber se ela corre do senhor para mim?
Era verdade aquilo e o lobo atrapalhou-se com a resposta. Mas não deu o rabo a torcer.
— Além disso — inventou ele — sei que você andou falando mal de mim o ano passado.
— Como poderia falar mal do senhor o ano passado, se nasci este ano?
Novamente confundido pela voz da inocência, o lobo insistiu:
— Se não foi você, foi seu irmão mais velho, o que dá no mesmo.
— Como poderia ser meu irmão mais velho, se sou filho único?
O lobo furioso, vendo que com razões claras não vencia o pobrezinho, veio com uma razão de lobo faminto:
— Pois se não foi seu irmão, foi seu pai ou seu avô!
E — nhoc! — sangrou-o no pescoço.
MORAL: Contra a força não há argumentos.
3.2.1 Comentário: O Lobo e o Cordeiro de Monteiro Lobato
Em Monteiro Lobato, continua a mesma relação de poder. No entanto, percebemos nitidamente que Lobato está se dirigindo a crianças. Depois que os seus filhos nasceram, Lobato viu que faltavam boas histórias para as crianças brasileiras, então, resolveu adaptar e recontar as fábulas de Esopo, de Fedro e La Fontaine. Desse modo, tendo em vista o seu público alvo, são perceptíveis na sua fábula recursos como o uso dos diminutivos, bem próximos da linguagem pueril: cordeirinho, pobrezinho ; percebe-se, de fato, uma linguagem mais coloquial, como que em tom de conversa: de horrendo aspecto, arreganhando os dentes, mas não deu o rabo a torcer, e o uso da onomatopeia : nhoc.
3.3 Millôr Fernandes
O Lobo e o Cordeiro
De modo a evitar problemas em relação a direitos autorais, os autores e o editor optaram por não colocar os textos das fábulas do Millôr Fernandes. Mas você, leitor, pode, facilmente, clicar no link seguinte para conseguir ler: Millôr - O Lobo e o Cordeiro .
3.3.1 Comentário: O Lobo e o Cordeiro de Millôr Fernandes
Ao contrário dos demais autores, Millôr narra a fábula, a partir da experiência do cordeiro: este aparece como superior ao lobo. Desse modo, no final não será a força física que vai sair vencedora, mas sim a força da palavra e do argumento do cordeiro, que soube ludibriar o lobo de tal forma que ganhou tempo até a chegada do caçador que esquartejou o lobo. O cordeiro de Millôr é mais esperto que o lobo, pois, com frequência, o lanígero caçoa daquele que, em tese, seria o mais forte. Diferentemente dos outros autores, Millôr concede um tom mais humorístico à sua fábula, o que é característico deste autor. Millôr Fernandes, por fim, de certa forma satiriza a fábula tradicional.