4 A raposa e as uvas: fábula
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A RAPOSA E AS UVAS
FÁBULA
Analisemos, agora, a segunda fábula “A raposa e as uvas” dos mesmos autores supracitados. Como fizemos antes, veremos os pontos em comum, as diferenças estilísticas e os aspectos moralizantes destacados por esses autores.
4.1 Fedro
De uulpe et uua
Fame coacta uulpes alta in uinea
Uuam adpetebat summis saliens uiribus; quam tangere utnon potuit, discendens ait:
“nondun matura est; nolo acerbam sumere.”
Qui facere quae non possunt uerbis elevant, adscribere hoc debunt exemplum sibi.
A Raposa e a Uvas
Coagida pela fome na alta videira, a raposa cobiçava um cacho de uvas saltando com todas as forças, como não pôde tocá-la, afastando-se disse: “ainda não está madura; não quero apanhá-la azeda”.
Aqueles que elevam pelas palavras as coisas que não podem fazer, deverão acrescentar para si este exemplo.
4.2 Esopo
Ἀλώπηξ καὶ βότρυς
Ἀλώπηξ λιμώττουσα, ὡς ἐθεάσατο ἀπό τινος ἀναδενδράδος βότρυας κρεμαμένους, ἠβουλήθη αὐτῶν περιγενέσθαι καὶ οὐκ ἠδύνατο Ἀπαλλαττομένη δὲ πρὸς ἑαυτὴν εἶπεν· “Ὄμφακές εἰσιν”.
Οὕτω καὶ τῶν ἀνθρώπων ἔνιοι τῶν πραγμάτων ἐφικέσθαι μὴ δυνάμενοι δι' ἀσθένειαν τοὺς καιροὺς αἰτιῶνται
A Raposa e a Uvas
Uma raposa faminta, como acabara de ver alguns cachos de uvas pendurados de uma parreira, queria apoderar-se delas, e não pôde. Retirando-se, então, disse a si mesma: “Estão verdes”.
Assim também alguns dos homens que não podem tornar-se capazes de atividades por causa da (sua) fraqueza acusam as circunstâncias.
4.3 La Fontaine
A Raposa e as Uvas
Certa raposa da Gasconha ou Normandia
quase morta de fome, avistou bem no alto
de uma parreira uvas maduras,
de casca vermelha e macia,
que podiam dar-lhe almoço bom e farto;
mas disse, não podendo as alcançar:
“estão verdes demais, só bobo as comeria.”
Que fazer se não se queixar?
4.4 Monteiro Lobato
A Raposa e as Uvas
Certa raposa esfaimada encontrou uma parreira carregadinha de lindos cachos maduros, coisa de fazer vir água à boca. Mas tão altos que nem pulando.
O matreiro bicho torceu o focinho.
— Estão verdes — murmurou. — Uvas verdes, só para cachorro.
E foi-se.
Nisso deu o vento e uma folha caiu.
A raposa, ouvindo o barulhinho, voltou depressa e pôs a farejar...
Quem desdenha quer comprar.
4.5 Millôr Fernandes
A Raposa e as Uvas
De modo a evitar problemas em relação a direitos autorais, os autores e o editor optaram por não colocar os textos das fábulas do Millôr Fernandes. Mas você, leitor, pode, facilmente, clicar no link seguinte para conseguir ler: Millôr - A Raposa e as Uvas .
4.6 Pontos em Comum
Todos os autores apresentam as mesmas estruturas, em suas fábulas: são encenadas por uma raposa, onde ela pensa, sente, age e fala como se fosse um ser humano. Fazendo uso desse recurso, a fábula satiriza ou explica determinados comportamentos e sentimentos humanos.
4.7 Diferenças Estilísticas
Em Esopo, como em La Fontaine, em Monteiro Lobato e em Millôr Fernandes a fome da raposa é apresentada como um adjetivo. A raposa se encontrava faminta (Esopo), quase morta de fome (La Fontaine), esfaimada (Monteiro Lobato) e esfomeada e gulosa (Millôr Fernandes). Em Fedro, porém, a fome da raposa é como que personificada pelo uso do agente da passiva. A raposa não tem fome, ela é coagida pela fome.
Esopo, Fedro e La Fontaine são mais sucintos e diretos, apresentando a mesma estrutura da fábula clássica e vetusta, com leves acréscimos em um ou outro: a raposa faminta, quase morta de fome ou coagida pela fome vê as uvas, as deseja, não as pode alcançar e inventando uma desculpa vai embora.
Já Monteiro Lobato e Millôr Fernandes acrescentam elementos a mais, em suas fábulas, visto que as raposas desses autores são mais persistentes, em seus objetivos.
La Fontaine situa sua raposa, ela é da Gasconha ou Normandia, não é de um lugar indefinido, apesar de ela ser indefinida (certa raposa).
Monteiro Lobato faz uso de diminutivos como quem de fato está dirigindo-se a crianças: a parreira é carregadinha, os cachos são lindos cachos maduros, e, ao cair da folha, a raposa ouve um barulhinho. Há, em Monteiro Lobato uma seleção vocabular um tanto quanto coloquial: os cachos maduros são coisa de fazer vir água à boca; o bicho é matreiro e as uvas são verdes que só pra cachorro.
Millôr Fernandes define sua raposa, não é uma ou certa raposa, mas é a raposa. Seu lugar é o deserto no qual há um precipício de perder de vista. Sua raposa, diferentemente, das fábulas dos outros autores consegue seu objetivo, mas se frustra ao constatar que realmente as uvas estavam verdes. Ela parece ser a mais humana das raposas: olha, vê, arma o salto, retesa o corpo, salta, descansa, encolhe mais o corpo, não consegue o objetivo, desiste, tem raiva, empurra a pedra, estica a pata, consegue o objetivo, coloca as uvas na boca e se frustra: “Realmente estavam muito verdes”.